29 de outubro de 2013

Meus Pés


Por Moema Ameom

Gosto de observar meus pés.

Neles estão escritas densas histórias da minha existência.

Lembro-me da época em que eram considerados “chatos”; “pé de povão” como dizia minha mãe; não tinham classe nenhuma.

Olhava para os pés do meu pai: idênticos aos meus. E como era elegante aquele mestiço filho de português com índio!

Por serem, além de “chatos”, caídos e tortos, receberam muitos corretivos; botas, ferros, massagens fedorentas e repugnantes com sebo de carneiro derretido no fogão em uma latinha fétida. Repugnantes e dolorosas lembranças. De bom ficaram as caminhadas na areia da praia de Copacabana, onde eu morava, levada pelas mãos fortes do caboclo que teimava em me fazer viver de forma diferente as deficiências dos meus pés. Mas sua técnica era considerada errada por minha mãe, o que começou desde então a me jogar na dúvida sobre o que deveria ser O Prazer.

O tempo levou-me ao Ballet Clássico, um desejo que assumi como sendo meu mas que certamente era familiar desde que minha avó viu a Anna Pavlova dançando. Eu seria sua substituta! Sem sombra de dúvidas! O veredicto daquela que deveria ser minha primeira professora, Madeleine Rosay, nos idos de 1967, fez minha mãe estremecer: ”Com estes pés e este físico (eu era muito magra e muito alta) ela jamais será bailarina!”

Envolvida por soluços e muitas lágrimas ouvi a voz materna: ”Você será o que quiser ser. Faça por onde corrigir estes pés e o seu físico.” A saga começou aos 7 anos de idade.

Torturei por demais meu corpo principalmente quando surgiram as sapatilhas de ponta e eu não conseguia nem de leve alcançá-las. Minha professora na época – Julia Queiroz – enfatizava o veredicto: ponta nem pensar!  Desista!....ao longe a voz repetia: Insista!

Mas eu dançava na praia, ao som das ondas do mar e me sentia feliz! Meu pai marcava ritmo com as mãos e dizia “dança mulata, dança!” Adorava dançar ciranda, jongo e samba ao ritmo do seu batuque manual! Às vezes cruzava com D. Nina Verchinina e seus cães e ela sempre gritava ao longe: ”Dança Isadora!” Eu não entendia porque trocava meu nome; mais tarde, quando fiz aulas com ela, soube que se tratava de uma referência à Isadora Duncan.

E lá fui eu...massacrando e brincando com meus pés. Conquistei as pontas sem muita segurança. Conquistei o Ballet Clássico sem grandes paixões. Conquistei um certo lugar no cenário carioca como bailarina. Tudo muito dolorido. Mas havia momentos de luz: bailes de carnaval, desfiles nas Escolas de Samba, Cirandas, Folias de Reis no Morro da Mangueira; Jongo na Serrinha, Danças Livres ao som dos ventos. Até entrar para a Escola de Danças Maria Olenewa (eu passei no exame!) e lá conhecer Lourdes Bastos e Klauss Vianna. Passei a entender que técnica e dança podiam ser aliadas e não inimigas. Dançar com os pés no chão e no palco era A Glória!

Assim meus pés começaram a trilhar caminhos distintos onde seus ligamentos claudicavam entre elevações e torções desconhecidas. Aprendi com Klauss a cuidar melhor de ambos, mas os massacres iniciais haviam feito grandes estragos ligamentares; muitas dores me acompanhavam sempre.

O tempo passando fez-me re.Conhecer trajetórias interessantes tanto na dança quanto na terapia; foram os pés que me levaram aos estudos terapêuticos.

Para torná-los mais harmônicos e ressonantes em seus males percorri estudos infindáveis buscando entender de alguma forma o que significavam seus movimentos e propostas.

Quando meus filhos nasceram e pude ver espelhado neles detalhes parecidos com os meus, passei a trilhar novas propostas de conhecimento. Como professora de Ballet Clássico tornei-me, primeiramente, professora de Dança onde passei a aplicar tudo o que colhi na trajetória de aluna; os SIM e os NÃO.

Com o fluxo da vida, acabei por assumir a postura de Educadora onde os estudos antropológicos, misturados aos terapêuticos, deram-me MOITAKUÁ onde a Dança Essencial ganhou espaço dentro da sua formação. Criei um método de ensino para uma Escola de Dança onde pretendi orientar sentidos a uma harmonização plena com as varias técnicas que moldam o Físico. Pura pretensão! Distúrbio do Ego!

Hoje cuido dos meus pés. Vejo-os com formas equilibradas passando-me mais segurança emocional; aprendo com eles a ver minha vida passar ... simples...mente!

27/10/2013

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