31 de janeiro de 2014

(IN) DIGESTÃO

"Estou com indigestão de vida."

Esta frase proferida em momento de angústia, fez-me repensar sobre meu aparelho digestivo e sua longa trajetória dentro de mim.

Nasci me alimentando de brisa; pelo menos era o que ouvia com frequência quando negava o que estava no prato que me ofereciam. "Comendo brisa você não vai crescer nem engordar."
Breve conclusão extraída deste conceito: " Para crescer tenho que engordar; se ficar magra não crescerei." Será que isto em alguns momentos levou-me a não querer engordar? Afinal de contas, crescer assusta tanto!

Eu também gostava de comer movimentos através dos olhos; das formigas, cães, gatos, cavalos, folhas balançando ao vento. Alimentava-me, pelos ouvidos, de músicas, melodias e sons, incluindo os das palavras.
Sentia-me nutrida observando o pôr e o nascer do sol; o resplandecer da lua!
Vento, chuva e arco-íris sempre apimentaram o sabor.

As aflições circundantes, os medos adjacentes fizeram-me aprender que humano precisa de comida para ficar forte. Magra demais, ouvia: " Come mais..." tal qual um mantra!
Era preciso engordar a todo custo.

Engorda-se o gado para o abate. Só assim terá valor; renderá bom lucro e fará feliz seu proprietário.
A verdade é que sou boa discípula. Aprendi que: "poesia não enche barriga." "arte não dá dinheiro e, sem dinheiro morre-se de fome."
O tempo escorreu diluindo minhas ideias primitivas. Foquei a visão na extrema necessidade de deixar-me abater.
Abatida foi ficando minh'alma.

Cheguei ao pódio da alegria?
Ganhei medalhas de prazer?
Não.
Alguns poucos e parcos aplausos, sim.
Muitas doenças também.
Tudo bem que ganhei tesouros: dois filhos, mas assim mesmo a matéria teimava em se nutrir de sonhos, fantasias e ilusões.

Depois que uma parte da Histeria foi embora com o útero, minhas vísceras, viciadas em se preencherem de solidez, começaram a ganhar movimentos de expansão.
Perderam o caminho da concentração. Talvez devido ao fato de ter exagerado na contestação da engorda.

Nos momentos em que conseguia priorizar minha arte, o estômago trancava. Parecia querer segurar aqueles instantes para que não se distanciassem mais de mim. Como já não havia mais a rede de preocupações circundantes pela magreza, não importava que trancasse. Comia quase nada; engordava bastante. Eu, então, me permiti delirar!

No delírio criava coisas mirabolantes, quando dele saia, comia "um boi inteiro" pois a fome era avassaladora.

Neste momento descubro que fui muito mais anoréxica sendo gorda do que quando era magérrima. O aspecto físico é contraditório aos processos emocionais, como tudo que rege os Sistemas Nervosos.

"As aparências enganam"...e como!
Como as aparências!
Vou degusta-las aos pedacinhos para encontrar meu equilíbrio gustativo.

Pode haver estrutura emocional com aparelho digestivo desregulado?
Eu digo que não.
Mesmo porque, o estômago encontra-se logo abaixo do diafragma e princípio básico para se manter em equilíbrio é respirar.
Além do mais, a energia que vibra nesta região proveniente do encontro vertebral entre dorsal e lombar é o centro do desenvolvimento da consciência.

Entupo o estômago para estica-lo a fim de preencher a consciência com matéria física ou para não percebê-la tão ampla?

Aprender a digerir a vida no sentido de orientá-la bem pelas curvas e ondas viscerais é o caminho mais próximo entre os dois pontos que regem o destino; o Universo e o Planeta Terra.

Quem cozinhará meu banquete?