A janela fica no prédio verde ao fundo. |
Há um ano aqui estive, neste mesmo ponto
da cidade. Da janela observava caminhos que desejava percorrer, mas os males de
minha perna esquerda não me permitiam. Tornozelo e joelho prendiam-me a uma
locomoção restrita. Guardei no coração os desejos. Transformei-os em motivações
internas de cura.
Hoje, já recuperada, propus-me
realizá-los; motiv in action.
Caminho a ser percorrido. Ao fundo a praia. |
Ao passar pelo viaduto sobre a Marginal
Leste, o aprendizado começou.
Viaduto sobre a marginal leste |
"Marginal"... devido ao fato de
estar à margem do centro da cidade? Ou será que se torna marginal por impulsionar
os seres humanos para velocidades muito além de seus biorritmos gerando busca
desenfreada por um tempo cronológico que os sufoca? Que os coloca a margem da
vida, à margem de momentos vividos em profundidade?!
O pensamento vagueia: como fazer para
comercializar algo que conduz a uma conscientização sob margens internas onde
pulsa a essência, marginalizadas por uma sociedade consumista? Como dar preço
ao que nem mesmo é considerado tão valioso assim? Dar tempo ao tempo vem como
resposta.
Sigo percebendo meus pés... como é bom
tê-los de volta! Como é delicioso sentir-me sobre eles deixando-me evoluir em
passadas onde os dedos do pé de trás me impulsionam em ritmo compassado e
harmônico com o pulsar do coração, sem alterar o ritmo da respiração. Perceber
que ao expirar, o impulso se faz presente em fluxo e refluxo. Braços em pêndulo
navegam no ar; mãos atentas seguram bolsa e garrafa d’água onde dedos curiosos
pesquisam suas presenças em pesos distintos. A mandíbula afrouxada me permite
sentir os nano movimentos da língua e sua umidade. O ar acaricia os lábios. Simples
exercícios para aguçar a percepção sensorial e ampliar a conscientização dos
movimentos motores conectando a mecânica a cognição através dos (in)fluxos
nervosos.
Passo pela Av. Brasil e chego na Av.
Atlântica.
Como são interessantes os nomes homônimos!
Não estou no Rio de Janeiro. Se lá
estivesse não poderia fazer esta proeza; andando em linha reta passar por uma e
chegar à outra. Olho para a Av. Brasil em nada parecida com aquela de lá: outra
visão do mesmo país. Nesta de cá não é preciso que haja semáforos (viva São Paulo!)
piscando verde, amarelo e vermelho; os
sinais de trânsito são riscas brancas pintadas no chão que delimitam o espaço onde
atravessar. Como na Europa, os carros param.
Será que com José e José também existem
diferenças? Em fulano pai e cicrano Jr. também?
A Atlântica me lembra a dos anos 60 quando
eu, pré-adolescente, vivia em Copacabana. Avenida de mão única com a areia bem
pertinho da calçada. Este mar tranquilo, em nada se parece com aquele de lá
cujas ondas, quando em ressaca, inundavam o asfalto que se transformava em rio
salgado. Passado funde-se ao presente conduzindo-me ao futuro do outro lado da
rua.
Cheguei!
Mar límpido, céu azul e Lós resplandecente
em seu reinado. Pessoas encapotadas passam por mim. Será sugestão da estação?
De onde vem este frio tão intenso que sentem?
Lembro-me de alguém que um dia me disse: “Você
sabia que a alma é gelada?” Será? Mesmo quando deixa de ser pequena? Ou melhor,
mesmo quando passa a ocupar todo seu território – matéria orgânica -?
Vou me aproximando. Crianças com medo de
colocar os pés no chão porque o sentem frio. Medo de sentir sensações
estranhas; medo da reação que elas causam; medo empalhado nos olhos de todos;
espelhos d’alma embaçados. Adultos impedindo movimentos infantis, colocando-os
em carros enfeitados, coloridos, atraentes que acomodam pernas e pés em
crescimento. Amanhã estarão dentro de carros velozes nas marginais leste ou
oeste indo para norte ou sul sem consultar bússolas; existe o celular para me
dizer o que fazer. Ficarão vendo a vida passar pela janela? Desejarão
conquistar seus desafios e riscos? Sem exercitar os mecanismos motores será
impossível. Não dá pra arriscar-se sem assimilar segurança física. Melhor
acomodar-se na frente do computador aprendendo o que é se mover.
Sigo até o mar. Ninguém na água. Um marzão
todo pra mim. Agradeço neste instante ao meu pai terrestre, Heraldo, que me
ensinou a tomar banho frio; que me a.cor.dava cedo pra enfiar os pés na areia,
dançar com os pássaros e mergulhar nas águas quase sempre bravias. “É só
respeitar as ondas que elas respeitam você”.
Mergulho, nado, bato pernas e braços,
brinco com o brilho azul que me rodeia. Celebro a alegria de poder estar ali
depois de uma caminhada que há um ano era impossível. Exercito o gelo da alma
no corpo revitalizado pelas lembranças; enri(a)queço-me.
Saio do mar sob olhares espantados.
Preparo-me para voltar.
Ao vestir minha camisa, presenteada por
amigo querido quando estava no alto da alta montanha, leio: GreenPeace. Será
verde a paz? Creio que sim, pois esta é a cor do chacra cardíaco que ao irradiar
sua potência energética pela vértebra dorsal, emana ondas de equilíbrio pelos ossos
dos braços; quando estas chegam aos dedos das mãos, produz equilíbrio emocional
trazendo a paz.
Sim.
A paz é verde como as matas e a
comunicação entre ela e o coração, azul e branca. Na consciência brilha o
amarelo dourado de Lós entrelaçada apaixonada.mente ao tom prata de Aul.
Preparo-me para o retorno.
Mesmo trajeto.
Vou observando a profusão de nomes
brasileiros: Farah, Ranzi, Wiesel, Hoffmann, Müller. Pátria amada idolatrada
salve, salve! Miscigenada, embolada, caótica.
Enquanto imaginarmos que caos é sinônimo
de bagunça e desorganização; enquanto não aprendermos que ele nos proporciona
organização sistêmica por equalizar os processos autônomos viscerais, não
seremos capazes de assimilar a ordem e progresso da nossa etnia
multidisciplinar. Continuaremos a utilizar os pulsares da curiosidade para
experimentar tudo que nos atrai; a trocar preciosidades internas por balas de
festim, palavras jogadas ao vento. Podemos até imaginar que o “tudo” é o “todo”
e chamar de “holístico”, mas o Holo aproxima; não mistura. Na rede das energias
infinitamente criativas, o “fazer muitas coisas” é substituído por “fazer muito
com poucas coisas”. Como o fazem as árvores, por exemplo.
Quase chegando à passarela, leio a frase
de uma imobiliária: “Os edifícios evoluem porque as pessoas evoluem”. Quer
dizer que devo comparar a evolução humana aos prédios que vi na orla da praia?
Sim! Esqueci que já chegamos na lua!
Talvez por isso o senso de humanidade esteja cada vez mais escasso.
Estamos todos virando ETs – Extra Terrestres. Apostamos tanto na verticalidade
que desaprendemos o que é contato com as raízes. No flow!
Estou chegando: começo a revisar meu
passeio. Na ida percorri o trajeto em 30 min. Fui bem devagar observando cada
mínimo detalhe da minha lo(u)co(a)moção. Na volta o mesmo trajeto fiz em 15
min. Ao aplicar bem a potência de minha máquina, afinando o instrumento que sou
eu, o poder aumentou e eu ganhei, lucrei muito mais.
Ganhei tempo, mas não me tornei marginal
de mim. Talvez até possa ser considerada por alguns como estando à margem da
sociedade, mas isto não é assunto que me interesse.
Meu interesse do instante encontra-se
neste pequeno/grande sonho realizado!