22 de julho de 2013

A Arte e sua discípula


Moema Ameom

Vinha eu pelo caminho das possibilidades quando, ao olhar adiante avistei uma anciã. Claudicava seus passos aqui e ali, parando para verificar se o ar ainda passava em seu peito. Fiquei observando aqueles movimentos retidos, travados, amarrados em seu corpo. “Como deve ser difícil locomover-se” pensei.

Quis o tempo que nos aproximássemos, nos olhássemos e, como por coincidência, nos cumprimentássemos. Não houve palavra. Apenas senso.

Em seus olhos o cansaço de quem não mais conseguia percorrer trajetos com seu ritmo natural. A ânsia via-se no olhar. O desejo pulava pelos poros e os sonhos...ah...os sonhos!...percebia-se no som do coração.

Paramos. Eu, ávida por seguir adiante, quedei-me movida pela curiosidade. “Quem é você?”

“Chamam-me ARTE.”

Silêncio.

Eu estava, naquele percurso do meu destino, justamente em busca de quem ali se apresentava. Dentro de mim uma opressão. Enxurradas de pensamentos povoaram-me e eu calada, observava a ARTE.

“Desculpe-me o espanto Sra., mas sempre imaginei ser a Arte algo vibrante, motivador, instigante, que pudesse saciar minha curiosidade sobre várias coisas da vida e até mesmo  fosse capaz de me dar sentidos novos para rumos conhecidos. Uma vez me disseram que se eu a encontrasse poderia me ensinar sobre como experimentar muitas possibilidades dentro de mim; poderia romper barreiras que me impediam de correr riscos fundamentais para o desabrochar da minha alma. Contaram-me tantos fatos sobre sua existência na formação histórica do Planeta!” Ela me olhava com ternura. Havia compreensão. Mas também muita tristeza.

“ Mais uma vez me perdoe, Sra, mas eu, vim de tão longe para encontrá-la! Percorri obstáculos incontáveis, mergulhei em mares nunca d’antes navegados , varei estrelas, céus e nuvens. Como imagina que estou me sentindo ao depara-me consigo?”

“Atônito.”

“Sem tônus” continuou. ”Perplexo. Sem plexo.” Sentou-se em uma grande pedra, recolheu o manto que a cobria e fechou os olhos.

Silêncio.

“O que fazer?” pensei.

Nada. O vazio se fez diante de mim. Ela, então, sussurrou: “Você ouviu minha voz?”

“Onde? Quando?” perguntei.

“Agora; dentro de você”.

“Não.”

“ Vê?! Por isso ando tão cansada,envelhecida, pesada. Perdi o contato com as mentes humanas. Não há mais tempo para mim. Não há mais espaço para o meu pulsar. Não me querem mais por perto porque os valores não catalogam arte como sendo indispensável à vida. Utilizam-me como sendo diletantismo, ou até mesmo veículo para a perversão e a mediocridade. A sutilidade não percorre mais as veias dos Homens. As almas se recolhem e a essência se desvaloriza cada vez mais. O drama mal contado toma conta da sociedade e o mal humor se disfarça de excitação. É assim que se constrói felicidade e prazer nos dias atuais.” Suspirou e nem ao menos abriu as pálpebras para me ver. Como sabia que ainda estava ali?

“ Você veio de tão longe para me encontrar e no entanto ao passar por mim, olhou  apenas para um corpo deformado, cansado, entortado e em seguida criticou-me, julgou e catalogou-me em sua mente como sendo velha. Não lhe serve mais. Vê? Assim está o mundo que lhe rodeia. Se não faço parte de seus padrões, joga-me no lixo. Se por ventura não concordo com suas idéias, não é capaz de me ouvir.Não vou gritar. Não vou espernear. Nem mesmo dançar a sua frente sacudindo a bunda pra você me enxergar.”

Senti-me fraco. Débil. Incapaz.

“No dia em que realmente quiser me conhecer, pare um pouco, expire e sinta-se em contato com um tempo que não conhece mas que existe em seu interior. Perceba-se com mais cuidado e atenção.Acredito que conseguirá começar a movimentar a sua arte. Eu serei apenas o fio condutor de algo que lhe move os ossos.”

Sentei em uma pequena pedra. Fechei os olhos. Algo mágico aconteceu em mim. Vibrei. Pulsei. Chorei. Sorri. Gargalhei. Aquietei-me. Senti-me viajando por muitos países sem sair do lugar.

Abri os olhos para agradecer. Ela, a anciã, voava ao meu redor com grandes e imensas asas e fortes garras. Agarrou-me e transportou-me pelos ares com uma  potência descomunal. Nunca havia me sentido tão fortemente amparado e apoiado.

Percorri territórios profundamente conhecidos, mas parecia que os via pela primeira vez. As garras da Arte guiavam-me pelo infinito e meus olhos viam o invisível. Os sensos despertaram, os braços abriram e, pela primeira vez senti que poderia, quem sabe um dia, voar também.

Ela repousou-me no solo.

Diluiu-se. Encantou-me. Partiu. Deixou-me atônito; sem tônus. Perplexo; sem plexo.
 Ali fiquei onde tudo havia.


                                                                                      Itaipuaçu, 22 de julho de 2013

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