Moema Ameom
Vinha
eu pelo caminho das possibilidades quando, ao olhar adiante avistei uma anciã. Claudicava
seus passos aqui e ali, parando para verificar se o ar ainda passava em seu
peito. Fiquei observando aqueles movimentos retidos, travados,
amarrados em seu corpo. “Como deve ser difícil locomover-se” pensei.
Quis
o tempo que nos aproximássemos, nos olhássemos e, como por coincidência, nos
cumprimentássemos. Não houve palavra. Apenas senso.
Em
seus olhos o cansaço de quem não mais conseguia percorrer trajetos com
seu ritmo natural. A ânsia via-se no olhar. O desejo pulava pelos poros e os
sonhos...ah...os sonhos!...percebia-se no som do coração.
Paramos.
Eu, ávida por seguir adiante, quedei-me movida pela curiosidade. “Quem é você?”
“Chamam-me
ARTE.”
Silêncio.
Eu
estava, naquele percurso do meu destino, justamente em busca de quem ali se
apresentava. Dentro de mim uma opressão. Enxurradas de pensamentos povoaram-me
e eu calada, observava a ARTE.
“Desculpe-me
o espanto Sra., mas sempre imaginei ser a Arte algo vibrante, motivador,
instigante, que pudesse saciar minha curiosidade sobre várias coisas da vida e
até mesmo fosse capaz de me dar sentidos
novos para rumos conhecidos. Uma vez me disseram que se eu a encontrasse
poderia me ensinar sobre como experimentar muitas possibilidades dentro de mim;
poderia romper barreiras que me impediam de correr riscos fundamentais para o
desabrochar da minha alma. Contaram-me tantos fatos sobre sua existência na
formação histórica do Planeta!” Ela me olhava com ternura. Havia compreensão.
Mas também muita tristeza.
“
Mais uma vez me perdoe, Sra, mas eu, vim de tão longe para encontrá-la!
Percorri obstáculos incontáveis, mergulhei em mares nunca d’antes navegados , varei estrelas, céus e nuvens. Como
imagina que estou me sentindo ao depara-me consigo?”
“Atônito.”
“Sem
tônus” continuou. ”Perplexo. Sem plexo.” Sentou-se em uma grande pedra,
recolheu o manto que a cobria e fechou os olhos.
Silêncio.
“O
que fazer?” pensei.
Nada.
O vazio se fez diante de mim. Ela, então, sussurrou: “Você ouviu minha voz?”
“Onde?
Quando?” perguntei.
“Agora;
dentro de você”.
“Não.”
“
Vê?! Por isso ando tão cansada,envelhecida, pesada. Perdi o contato com as
mentes humanas. Não há mais tempo para mim. Não há mais espaço para o meu
pulsar. Não me querem mais por perto porque os valores não catalogam arte como
sendo indispensável à vida. Utilizam-me como sendo diletantismo, ou até mesmo
veículo para a perversão e a mediocridade. A sutilidade não percorre mais as
veias dos Homens. As almas se recolhem e a essência se desvaloriza cada vez
mais. O drama mal contado toma conta da sociedade e o mal humor se disfarça de
excitação. É assim que se constrói felicidade e prazer nos dias atuais.”
Suspirou e nem ao menos abriu as pálpebras para me ver. Como sabia que ainda
estava ali?
“
Você veio de tão longe para me encontrar e no entanto ao passar por mim,
olhou apenas para um corpo deformado, cansado,
entortado e em seguida criticou-me, julgou e catalogou-me em sua mente como
sendo velha. Não lhe serve mais. Vê? Assim está o mundo que lhe rodeia. Se não
faço parte de seus padrões, joga-me no lixo. Se por ventura não concordo com
suas idéias, não é capaz de me ouvir.Não vou gritar. Não vou espernear. Nem
mesmo dançar a sua frente sacudindo a bunda pra você me enxergar.”
Senti-me
fraco. Débil. Incapaz.
“No
dia em que realmente quiser me conhecer, pare um pouco, expire e sinta-se em
contato com um tempo que não conhece mas que existe em seu interior. Perceba-se
com mais cuidado e atenção.Acredito que conseguirá começar a movimentar a sua
arte. Eu serei apenas o fio condutor de algo que lhe move os ossos.”
Sentei
em uma pequena pedra. Fechei os olhos. Algo mágico aconteceu em mim. Vibrei.
Pulsei. Chorei. Sorri. Gargalhei. Aquietei-me. Senti-me viajando por muitos países sem sair do lugar.
Abri
os olhos para agradecer. Ela, a anciã, voava ao meu redor com grandes e imensas
asas e fortes garras. Agarrou-me e transportou-me pelos ares com uma potência descomunal. Nunca havia me sentido
tão fortemente amparado e apoiado.
Percorri
territórios profundamente conhecidos, mas parecia que os via pela primeira vez.
As garras da Arte guiavam-me pelo infinito e meus olhos viam o invisível. Os
sensos despertaram, os braços abriram e, pela primeira vez senti que poderia,
quem sabe um dia, voar também.
Ela
repousou-me no solo.
Diluiu-se.
Encantou-me. Partiu. Deixou-me atônito; sem tônus. Perplexo; sem plexo.
Ali fiquei onde tudo havia.
Itaipuaçu,
22 de julho de 2013
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